Portar lâminas que tenham mais de 10 centímetros de comprimento em Minas Gerais pode se tornar proibido, a exemplo do que já ocorre em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tudo depende do entendimento do governador Fernando Pimentel (PT), que tem ainda 10 dias para decidir se veta ou sanciona o Projeto de Lei (PL) 2.227 de 2015, que considera artefatos cortantes ou perfurantes acima dessa dimensão como armas brancas e sujeita quem estiver com esse objeto ao recolhimento à delegacia, apreensão do instrumento e pagamento de multa que pode passar de R$ 2.700. A proibição tem causado polêmica, sobretudo nas redes sociais, uma vez que pessoas que utilizam lâminas de sobrevivência ou como instrumento de trabalho temem ser alvo de discriminação e constrangimento para comprovar a necessidade de porte desse tipo de ferramenta. Por outro lado, forças de segurança pública afirmam que de uma forma ou de outra isso levaria à redução do número de crimes, mortes e feridos. O PL é de autoria do deputado estadual Cabo Júlio (PMDB) e foi aprovado em segundo turno pelos deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no dia 7 de junho, restando ao governo a decisão até o dia 29 deste mês.
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De acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), em Minas Gerais 678 pessoas morreram agredidas por instrumentos cortantes ou perfurantes em 2014, número superior ao do Rio de Janeiro (294), mas inferior ao de São Paulo (999). Já os registros de internações nos hospitais conveniados ao sistema foram maiores em Minas Gerais (2.241) do que no Rio de Janeiro (398) e São Paulo (1.705). Em sua justificativa para a proposição do PL, o deputado Cabo Júlio afirma que “as declarações prestadas publicamente pelas autoridades de segurança revelam a falta de instrumentos legais para punir aqueles que portam armas brancas com o claro fim de cometer crimes”. De férias, o deputado foi procurado ontem pela reportagem para comentar sobre a importância de seu projeto, mas informou por meio de sua assessoria, que preferia não interromper o recesso para comentar.
Pelo projeto, fica proibido o porte de “artefato cortante ou perfurante usualmente destinado à ação ofensiva, como faca, punhal, espada, florete, espadim ou similar, cuja lâmina tenha 10 centímetros, ou mais, de comprimento”. Contudo, a infração só fica configurada, pelos termos da lei, se a pessoa estiver com a lâmina na mão, na cintura ou no carro, já que a própria legislação considera que “não configura porte de arma branca o transporte do artefato na embalagem original; em bolsas, malas, sacolas ou similares; em veículos, desde que acondicionados em mala ou caixa de ferramentas; em razão de atividade econômica desempenhada pelo transportador”.
A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) é favorável à sanção do projeto. “Toda lei que diminui o potencial de qualquer pessoa – sobretudo dos infratores – de portar instrumentos que possam ser usados em crimes contra o patrimônio ou contra a pessoa, a PM vê com bons olhos, pois é algo em prol do coletivo e em defesa da vida”, afirma o capitão Flávio Santiago, assessor de comunicação da PMMG. O policial afirma que a dinâmica de quem utiliza esse tipo de arma para o crime varia de região para região. “Quando diminuímos o potencial para que o infrator tenha tranquilidade de trafegar com uma lâmina e de esquivar-se pelo anonimato, isso torna mais efetiva a possibilidade de prevenção (aos crimes)”, considera.
REAÇÕES CONTRÁRIAS O administrador Paulo Márcio Reis Júnior, de 41 anos, trabalha com o fornecimento de suprimentos militares e, por isso, porta sempre uma lâmina no bolso. Além disso, como preparador e pessoa envolvida em atividades ao ar livre, utiliza facas como hobby para acampar. “Acho um absurdo criarem mais uma lei dessas que nitidamente tem a intenção de arrecadar dinheiro do cidadão de bem que não tem acesso às informações. Essa é mais uma perda de direitos fundamentais, porque os vagabundos (criminosos) não ligam para pagamento de multas”, considera. “As leis já existem e não são cumpridas pelos bandidos, porque é que vão se preocupar com mais essa lei?”, indaga Paulo, que critica também o valor de R$ 2.700 para quem portar uma lâmina, por considerar abusivo. “Como chegaram a esse valor? É mais uma lei que querem passar na surdina. Não foi discutida com a sociedade. No Rio de Janeiro, na semana passada, uma mãe foi morta a facadas na frente da filha e lá essa lei já existe há um ano”, compara.
O instrutor de sobrevivência e bushcraft (atividades no meio selvagem) Giuliano Toniolo também duvida que a legislação atinja criminosos, mas afirma que pode ter potencial de prejudicar o cidadão honesto. “Pessoas de bem que usam lâminas como ferramentas podem ser prejudicadas e marginalizadas. “Quem quiser cometer crime não vai ser coibido, só vai marginalizar um segmento que precisa de utilizar essas lâminas como ferramentas de auxílio. Do jeito que estava já era certo, não faz sentido pegar uma faca de sobrevivência num bar ou Mineirão. Ando com canivete desde os 12 anos e nunca me envolvi em briga nem puxei canivete”, afirma.
O chefe escoteiro do Mangabeiras, Marcos Magno Vieira, acha que isso não afetará o segmento. “Na cidade, nós escoteiros não temos necessidade de usar lâminas, só nas atividades no mato”, disse.
Mateus Parreiras/EM-Postado em 20/07/2016 06:00 / Atualizado em 20/07/2016 07:35