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O paciente vai ao consultório e engole uma pequena cápsula. Não só para tratar doenças, também para identificá-las. A solução foi apresentada por cientistas dos Estados Unidos na 252ª Reunião da Sociedade Americana de Química, no mês passado, e surge com potencial para aperfeiçoar as intervenções médicas. O dispositivo tem materiais biodegradáveis em sua composição — como a melanina, pigmento produzido pela pele — e pode ser digerido sem causar danos ao corpo humano.
O desenvolvimento de eletrônicos comestíveis vem desafiando muitos pesquisadores, mas a equipe norte-americana resolveu diferenciar o trabalho apostando em um aparelho que fosse completamente seguro. Segundo a equipe, câmeras e outros dispositivos implantáveis, como marca-passos, têm componentes tóxicos que podem prejudicar o corpo. Já aparelhos de baixo consumo de energia, como baterias, podem ser uma opção viável.
“Estamos nos concentrando na utilização de materiais biologicamente derivados e estruturas que possam substituir materiais tradicionais para a bateria. Apenas a partir daí, expandiremos a aplicação desses dispositivos e tentaremos usá-los para intervenções terapêuticas”, contou ao Correio Christopher Bettinger, um dos criadores do dispositivo e pesquisador da Carnegie Mellon University. No protótipo, usaram óxido de manganês, fosfato de titânio de sódio, cobre e ferro para a produção de eletrodos negativos e positivos — mecanismos necessários para o funcionamento do aparelho eletrônico.
Também na produção da cápsula, a equipe recorreu à tecnologia de impressão 3D. Ela foi montada a partir de materiais tridimensionais tendo como base substâncias presentes no corpo humano. Com tamanho entre 10 e 15 milímetros, a estrutura foi embalada com uma capa de melanina. “Se você quiser ter um dispositivo para ser usado constantemente, tem que pensar sobre seus problemas de toxicidade. No caso improvável de ficar preso no trato gastrointestinal, ele pode simplesmente degradar sem a necessidade de cirurgia”, explicou Bettinger.
Outra vantagem do dispositivo é que ele dura o tempo necessário para que execute suas funções. “A beleza é que, por definição, um dispositivo ingerível e degradável no corpo não dura mais que 20 horas, que é tudo de que você precisa”, frisou Bettinger. A intenção é que, ao avançar a pesquisa, seja possível dosar a quantidade de medicamentos e diversificar o tipo de diagnóstico.“Estamos interessados principalmente em aplicações de libertação controlada para que possam atingir praticamente qualquer tipo de proteína, seja de forma lenta, seja de forma rápida. Mas pode haver outras aplicações na detecção e na amostragem do microbioma, por exemplo”, detalhou o autor.
Segurança
Para Flávio Ejima, gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e presidente da Sociedade Brasileira de Endoscopia, a tecnologia apresentada promete executar funções que seriam de grande ganho na área médica. “Temos cápsulas na endoscopia. As que usamos captam imagens por meio de câmeras, mas, infelizmente, não conseguimos controlar o movimento delas”, disse. O risco de ficarem paradas no tubo digestivo preocupa, complementa o médico. “Caso tenhamos a opção apresentada por esses pesquisadores, de uma tecnologia feita com um material biológico que execute as mesmas funções e consegue se decompor, será um grande ganho”, avaliou.
Ejima também destaca que a cápsula de melanina proposta pelos cientistas norte-americanos é um protótipo, mas aponta o uso para aplicação de remédios como um bom começo. “Não sei até que ponto esse trabalho evoluirá e se será possível acoplar câmeras e lentes que se degradem. Mas a opção de soltar dosagens de quimioterápicos é muito interessante e, talvez, algo mais factível”, disse.
A capacidade elétrica do dispositivo, porém, ainda é baixa, reconhecem os criadores. Mas, no momento, eles estudam as formas de liberação de medicamentos. “Trabalhamos, agora, principalmente nos mecanismos específicos que podem permitir que esses perfis de entrega de droga de maneira dosada”, adiantou Bettinger. Além da melanina, os cientistas cogitam que as cápsulas sejam feitas com pectina, um composto natural de plantas utilizado como um agente gelificante em compotas e geleias.
Vilhena Soares - Correio Braziliense;EM - Publicação:12/09/2016 15:00